Filósofo da UFPA comenta “a mentira nossa de cada dia”
Você já mentiu hoje? Então acredite: você vai mentir em algum momento nem precisa esperar o 1º de abril. Isso é o que mostra a última reportagem do UFPA em Série-Mês da mentira e o que afirma o professor do curso de Filosofia da Universidade Federal do Pará (UFPA) Ernani Chaves. Para ele, é muito significativo que haja, no Brasil, um dia da mentira, pois ele pode ser usado para questionar o valor que a verdade e a mentira têm na cultura nacional. Até a próxima!
Cultura sentimental atenua o “mentir” - Isso porque, segundo o pesquisador, o País é marcado por uma cultura de afetos e do coração em contrapartida à cultura da racionalidade. “Culturas sinceras e verdadeiras nos passam, ao contrário, uma sensação de frieza. E, na nossa cultura de afetos, há uma classificação para a mentira, como forma de atenuá-la. Então, há a boa mentira, a mentira piedosa, a mentira simpática e a mentira cínica”, enumera.
Essa classificação da mentira como uma forma de amenizá-la, bem como se apresentar como “sincero” podem ser nada mais do que estratégias para isentar o mentiroso, ou seja, todos nós. “Essa ideia largamente difundida que ‘eu sou sincero’ ou ‘eu digo sempre o que penso’ é muito difícil de se sustentar numa cultura como a nossa. Então qual é a conduta correta? O que é eticamente valioso? É dizer sempre a verdade? Temos uma dificuldade enorme de sermos sinceros e verdadeiros, embora adoremos dizer que somos”, questiona o filósofo.
Então, o que é a mentira? - Para a Filosofia, essa pergunta vai ter uma resposta diferente em cada época. Ao longo do tempo, a ciência tenta encontrar formas de estabelecer uma distinção entre uma “boa” e uma “má” mentira, assim como as pessoas fazem no seu dia a dia.
O filósofo chinês Confúcio dizia que, quando a verdade prejudicasse uma família ou a Nação, a mentira poderia ser usada. Aristóteles, pensador grego, só aceitava duas maneiras de mentir: diminuindo ou aumentando uma verdade. Ainda na Grécia Antiga, Platão ensinava que “a mentira enfeia a alma, mas é perdoável quando atende a interesses de Estado”.
A mentira ontem e hoje - Já para Immanuel Kant, os indivíduos não têm direito de mentir em hipótese alguma. “A mentira é um tema que está presente desde o nascimento da Filosofia e ao mesmo tempo em que a mentira está relacionada ao problema teórico do que é a verdade, ela também vai estar relacionada com o problema prático do que é a ação humana. Existe um grande debate e uma ambiguidade muito grande nessa discussão”, esclarece Ernani Chaves.
O professor da UFPA fala, também, sobre a filosofia de Friedrich Nietzsche destacando sua percepção sobre a sinceridade infantil. Para esse pensador, na infância, a espontaneidade das crianças, bem como sua sinceridade são uma representação de espírito livre, de superação dos valores morais e de criação de novos valores.
Nascemos sinceros, crescemos mentirosos - Mas essa capacidade da criança de liberdade e autonomia vai se perdendo à medida que se tornam adultos imersos em teias sociais. “Na verdade, nós odiamos a criança sincera. As crianças têm uma espontaneidade que a sociabilidade vai cerceando e a nossa cultura vai cercear essa sinceridade para que a gente possa se acomodar ao que é fundamental na nossa cultura e creio que isso também ocorre, em maior ou menor grau, em outras culturas”, defende.
Ernani Chaves explica que existe um outro nível de mentira, que é regulado pelas leis e pelo direito. Mas no campo cotidiano e filosófico, é preciso ter muito cuidado para não acreditarmos ou assumirmos que mentir é algo que não faz parte de nós. Isso porque “o ato de ser apontado como mentiroso não é uma sensação desejável por ninguém, apesar disso, mentimos em algum momento de nossas vidas, por qualquer que seja o motivo.”
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Texto: Assessoria de Comunicação da UFPA
Fotos: Reprodução / Google
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