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O desenvolvimento socioambiental na Transamazônica: a trajetória de um discurso a muitas vozes

A rodovia Transamazônica sempre teve espaço na imprensa. Seja em função do caráter de obra faraônica que, para alguns, serviria apenas para ligar o nada a lugar nenhum, seja porque a rodovia significava a redenção da Amazônia, que seria definitivamente incorporada ao resto do país e teria seu desenvolvimento garantido.

O abandono do projeto de colonização da Transamazônica pelo governo militar voltaria a ser manchete: o drama de milhares de famílias migrantes isoladas no meio das vicinais intransitáveis, sem acesso a saúde, educação e crédito agrícola também foi notícia na mídia local e nacional. A reação da sociedade civil passou a ser notícia a partir de 1987, quando surgia o Movimento Pela Sobrevivência na Transamazônica (MPST), uma reação dos agricultores que, apoiados pela Igreja católica e por outros segmentos sociais, exigiam a retomada do projeto de colonização.

Agricultores, ribeirinhos, indígenas, religiosos, fazendeiros e grileiros são exemplos de atores sociais no cenário de uma região marcada pelas enormes distâncias, por conflitos pela terra, por ações frustradas do Estado e, mais recentemente, pelo discurso ambientalista frente à expansão da soja e ao projeto de construção da Usina de Belo Monte. A cientista agrária Ana Paula Santos Souza construiu uma análise do discurso oral e escrito dos agricultores e da Igreja Católica da Transamazônica sobre o desenvolvimento e o meio ambiente da região em sua dissertação de mestrado, apresentada ao Curso de Pós Graduação em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável, da Universidade Federal do Pará e da Embrapa - Amazônia Oriental, intitulada “O desenvolvimento socioambiental na Transamazônica: a trajetória de um discurso a muitas vozes”.

Filha de agricultores emigrantes do norte de Minas Gerais, que chegaram à Transamazônica em 1978, Ana Paula Souza afirma que o discurso que buscou equilibrar desenvolvimento e meio ambiente chegou à Transamazônica no final dos anos 80, influenciado pelo movimento ambientalista internacional e pelas decisões da ECO 92.

“Apesar disso, o discurso conservacionista não foi apropriado e reproduzido em sua essência pelas organizações de agricultores, cujo interesse principal era garantir que o Governo Federal retomasse o projeto de colonização da Transamazônica, cumprindo as promessas de vida digna que arrastou milhares de famílias de todos os cantos do país para o meio da floresta amazônica - afirma. A agricultura familiar diversificada, com acesso as políticas públicas, tendo sua produção beneficiada e comercializada, é o modelo de desenvolvimento almejado por esses atores”.


O desenvolvimento socioambiental poderá ser alcançado?

Em 1992, as lideranças que formavam o MPST criaram a Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP) para ser a sua representação jurídica. A FVPP passou a ter visibilidade pública somente a partir de 1995, dado o número de projetos e o volume de recursos que passou a administrar. Dentre as conquistas da FVPP junto ao Ministério do Meio Ambiente, destacam-se o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), uma linha de crédito para a agricultura familiar, e o projeto Proambiente, considerado o resumo das aspirações de desenvolvimento para a agricultura familiar na região.

A pesquisa de Ana Paula revelou que a Igreja Católica e o MPST, (representados institucionalmente pela FVPP) são apontados pelas organizações locais, pelos agricultores, os estudantes e imprensa como importantes atores na construção do desenvolvimento aliado à preservação do meio ambiente na Transamazônica. Por outro lado, há “a crítica ofensiva de outros grupos políticos que se sentiram prejudicados pelas restrições da política ambiental na região, também aponta a Igreja Católica e o movimento social dos agricultores, como os responsáveis por todas as questões ambientais em debate, bem como pelas ações de fiscalização e restrição feitas pelo Governo Federal, nos últimos três anos”, conclui Ana Paula.

Atualmente, a construção da usina Hidrelétrica de Belo Monte no município de Altamira, ainda à espera de aprovação, é um dos temas que geram discursos díspares. De um lado, a defesa de um projeto sustentável. De outro, os que vêm os recursos naturais como uma fonte inesgotável de riqueza: “Qualquer um nessa região que defenda a necessidade de um debate sobre a sustentabilidade de grandes projetos, a exemplo de Belo Monte, vai sofrer criticas duras de setores econômicos que enxergam nos recursos naturais uma fonte inesgotável de riquezas a serem urgentemente aproveitadas”.

Ao ser questionada se o desenvolvimento socioambiental na Transamazônica é uma aspiração utópica, a pesquisadora afirmou que a busca desse equilíbrio não tem receita pronta, e sua prática ainda está longe dos atuais discursos dos ambientalistas ou desenvolvimentistas.

“É preciso provar, experimentar na prática: como falar em mudanças nos modos de produção se toda tecnologia que os agricultores têm acesso é o uso do fogo? Como falar em mudanças se ninguém sabe o destino das centenas de multas aplicadas pelo Ibama? Como falar em mudança nos parâmetros para o desenvolvimento se os bancos públicos continuam financiando a pecuária extensiva? Como fazer a ‘revolução socioambiental’ se a maioria das populações das unidades de conservação é completamente analfabeta? Mas é preciso acreditar na capacidade de todas essas populações construírem, juntas, novos rumos, exemplos mostram que isso é possível”.

por Augusto Rodrigues - ASCOM UFPA

Publicado em: 08.01.2008 15:44