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Sons da Amazônia - Ornitóloga identifica espécies de aves amazônicas através do canto que emitem

Imagine passar dias, meses, anos de sua vida em uma mata fechada para gravar o canto das aves. É ao que Maria Luisa da Silva, ornitóloga da Universidade Federal do Pará, dedica-se toda semana. Juntamente ao seu marido, ela está montando um inédito e rico acervo de sons que pretende avançar os estudos sobre as aves. Maria Luisa é casada com Jacques Vielliard, pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Vielliard também dedica-se à coleta e estima ter passado 3 mil noites em florestas. Ele contabiliza 30 mil gravações de cantos de aves. O trabalho dele agora está sendo digitalizar esses áudios, que estão registrados em fita de rolo, para que não se percam.

 

Enquanto ele encaminha o projeto de resgate das gravações em São Paulo, Maria Luisa dá continuidade ao registro sonoro com pássaros amazônicos, a fim de montar um acervo especifico da região, o Arquivo dos Sons da Amazônia (ASA). Para isso, ela conta com uma equipe de estudantes de graduação e pós-graduação para colocar o projeto em andamento.

 

Toda semana, os pesquisadores viajam para o Parque Ecológico do Gunma, que possui cerca de 500 hectares e está situado em Santa Bárbara, município paraense distante 40km de Belém. Lá eles montaram uma base de estudos, com os equipamentos necessários à captura do canto das aves, como microfones, gravadores profissionais e computadores com softwares específicos de <<leitura>> dos sons. <<O acesso a determinados locais de mata é difícil. Na verdade, está quase tudo destruído ao redor de Belém, então a gente tem que ir bem longe e essa mata do Parque Ecológico do Gunma é a mais bem preservada e mais próxima de Belém. Não temos ido a outras localidades por questões financeiras>>, justifica a pesquisadora.


Até agora, Maria Luisa e sua equipe já identificaram 207 espécies só pelo som que elas emitem. Isso é possível porque cada ave tem um som particular, como uma identidade acústica. Então, pelo canto, consegue-se saber que espécie é aquela e mais, que tipo som comportamental ela está emitindo: se é um grito de alarme, de alimentação ou até um dueto <<macho-fêmea>>, como foi verificado com os bem-te-vis. Ou seja, há uma diversidade de características que se pode analisar <<sem ser invasivo, sem retirar o animal do seu meio>>, como enfatiza a ornitóloga.

 

 

Bioacústica

 

Um dos grandes benefícios que a metodologia da bioacústica (estudo dos sons dos animais) proporciona é justamente a não interferência na vida do objeto pesquisado. Não é preciso coletar as aves para estudá-las e, assim, não se agride a natureza. Maria Luisa reclama: <<Muitos pesquisadores retiram os animais do seu meio sem uma análise prévia se essa interferência poderá alterar ou até extinguir a vida daquela espécie naquela localidade. Com a bioacústica, não ocorre esse problema>>.

 

Outra vantagem da bioacústica, é que se consegue identificar as espécies sem necessariamente vê-las. Como a professora explica, <<o contato visual com as espécies na mata é muito difícil, porque a mata é escura. Então, já está comprovado que cerca de 99% dos contatos que você tem com as aves é auditivo em uma mata>>.

 

Quando Maria Luisa precisa ter um contato visual com a ave, ela utiliza um procedimento chamado playback. Depois de gravar o canto, coloca-se para tocar com um alto-falante. A espécie reconhece o som e aparece. Usando programas avançados, é possível também alterar a freqüência do som para saber até que freqüência a ave responde. <<Pode parecer simples, mas não é. A gente precisa ficar escondida para a ave não perceber que tem alguém ali. E não dá para usar o playback muitas vezes. Se a ave se acostuma, percebe que tem alguém querendo brincar com ela e não responde mais>>, explica a pesquisadora.

 

Não só com aves a bioacústica trabalha. Maria Luisa já orientou pesquisas com o boto, que também possui uma identidade acústica, e até com macacos. <<Geralmente, o estudo dos sons de mamíferos é mais complicado. As aves não. Elas foram feitas para cantar>>, considera. Atualmente, a ornitóloga coordena o Laboratório de Ornitologia e Bioacústica da UFPA (LOBio), localizado no Instituto de Ciências Biológicas, além de encaminhar o registro e análise sonoros de espécies amazônicas, como sabiás, beija-flores, capitões-da-mata e papagaios.

 

Por que papagaio fala?

Quando pensamos em sons de aves, logo vem a curiosidade: por que os papagaios <<falam>>? Maria Luisa explica que os papagaios não imitam os sons de outras aves quando estão na mata. O caso de eles reproduzirem a fala humana acontece quando eles são retirados ainda jovens do seu meio natural para viverem em casas. Como são animais muito receptivos, acabam por se acostumarem com certas frases e as reproduzem.

 

Outras aves também têm bastante capacidade de aprendizado, como a arara, e podem <<falar>>. Mas a pesquisadora ressalta que isso ocorre em condições não naturais e aponta o quanto é prejudicial retirar essas aves de seu habitat. <<As pessoas dizem que cuidam bem do pássaro, deixam ele livre dentro de casa, mas não é a mesma coisa. O lugar dele é na mata. Fora que, ao comprar uma ave ou outro animal silvestre, você está alimentando o terceiro maior tráfico do mundo, que é de animais>>, alerta.

 

Texto: Suzana Lopes – Assessoria de Comunicação Institucional da UFPA

Foto: Leiliany Negrão

Publicado em: 08.07.2008 13:00