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O filósofo Michel Foucault se notabilizou por seus estudos sobre o poder e a sociedade

       “Deus nos livre da censura. Deus nos livre da ditadura. Eu não dou curso aqui porque estão matando os pensadores desta casa”. Diante de uma platéia ansiosa pela sua palestra em São Paulo, Michel Foucault disse essas palavras e se retirou do auditório para participar de passeata e missa ecumênica em homenagem ao jornalista Vladimir Herzorg, morto pela ditadura militar naquele ano de 1975. O filósofo, que se notabilizou pelos seus estudos sobre o poder, apontou as operações execráveis de coerção por trás do que a sociedade julga perigoso contra ela. Certamente ele identificou no regime militar brasileiro um exemplo de suas afirmações.
       Após vinte anos da morte do pensador francês, o Centro Acadêmico de Ciências Sociais (Cacs) da UFPA promoveu a mesa-redonda “Poder e sociedade em Michel Foucault”, composta pelos filósofos Ernani Chaves e Verônica Campelo e o antropólogo Romero Ximenes, na última quinta-feira (25). “Na academia, autores como Marx, Weber e Durkheim são amplamente debatidos, sendo que outros grandes pensadores, como Foucault, são marginalizados. É necessário resgatar esses autores”, acredita Neyre Alexandre, presidente do Cacs. O auditório setorial básico I ficou lotado de estudantes e professores de vários cursos para ouvir o que os integrantes da mesa tinham a dizer sobre o “filósofo do poder”.
       Ernani Chaves iniciou o debate falando que Foucault foi filósofo da moda nos anos 70 e 80, “mas a grandeza da obra de Foucault consiste na sua extemporaneidade, não no sentido de fora de época, mas que consegue falar para todas as épocas”. O professor comentou os trabalhos de Foucault sobre a história da sexualidade, feitos nos últimos anos de sua vida. Foucault deslocou a análise do poder do campo de instituições como escola, fábrica e igreja para uma perspectiva que ele chamava de biopoder. “É uma forma de poder ainda mais detalhista e insidiosa, cujo foco não é o indivíduo, mas a população”, explica Ernani Chaves.
       Romero Ximenes localizou o surgimento de Foucault num momento em que o marxismo começa a se corroer pela falta de democracia nos países socialistas do leste europeu. Segundo Ximenes, o filósofo francês vai além de Marx ao se preocupar com as relações socialmente cultivadas que operacionalizam o poder. “Ele critica o marxismo direta ou indiretamente, sem renunciar à lógica da produção”, comenta o antropólogo. “O poder se exerce sobre o corpo, por meio da prisão, tortura, opressão da sexualidade, quando valores como a moral e a propriedade são atacados”.
       “Para Foucault, o poder não é só violência, mas potência que incita à produção de diversos saberes”, afirmou Verônica Campelo no início de sua fala. “As ciências humanas são biologicamente fundadas. Foucault destaca essa dimensão e fala que a norma prescreve mecanismos variados de correção que se estendem ao operário, à criança...”. A isso o filósofo chamou de ortopedia social, um amplo processo de normatização da sociedade disciplinar.
       Michel Foucault esteve na UFPA em 1976, no auditório do Centro de Letras e Artes (CLA), onde ministrou palestra em francês sem tradução. Ernani Chaves lembra que “era uma platéia seletíssima de pessoas que compreendiam o francês. Eu não sabia a língua, mas por várias vezes ele dizia as palavras sexualité e verité. Decidi me aprofundar nos estudos de Foucault”.
Publicado em: 29.11.2004 14:46