Arquivo particular resgata memória dos movimentos sociais
Texto: Fabrício Mattos, estagiário da Agência de Notícias UFPA
Cartas, panfletos, manuscritos, comunicados: todos documentos históricos. A memória não passa apenas pelo lembrar, mas pelo criar e resignificar do passado. Questões como meio ambiente, violência, direitos humanos, movimentos sociais e a construção da democracia no Brasil, os caminhos percorridos, as escolhas de atores sociais, todas estão imbricadas nos “anos decisivos” das décadas de 70 a 90. O antropólogo e museólogo Manoel Alexandre da Cunha reconstituiu, por meio de um acervo de fontes impressas, esse fio tênue da memória local e nacional. O projeto chama-se “Manipulação, tratamento e análise de fontes impressas das décadas de 70, 80 e 90 do século XX no Pará” e trata-se de um acervo reunido na vida do professor que, durante os anos da ditadura, foi presidente do Comitê Paraense pela Anistia e membro da executiva nacional do Movimento pelos Direitos Humanos, guardando os escritos que produzia e recebia. “O objetivo é organizar uma memória dos movimentos sociais para os próprios atores sociais, podendo inclusive influenciar nesse processo de democratização através de documentos científicos”, afirma Alexandre.
O projeto tem finaciamento do CNPQ e da UFPA, sendo que todo o acervo foi organizado de forma cronológica e por temáticas. As três principais são “Crime, Violência e Direitos Humanos”, “Amazônia” e “Movimentos Sociais”. Os jornais (do Pará, Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e nordeste) e outros documentos (panfletos, cartas, manuscritos) formam um total de 200 pastas com 150 documentos cada. As revistas ocupam 22 pastas com 70 exemplares cada. São recortes, coleções e fontes primárias, ou seja, um material que não teve nenhum tratamento técnico, produzido em geral pelos movimentos sociais por mecanismos semi-manuais (mimeógrafo, por exemplo). Quanto à visão dos meios de comunicação sobre os acontecimentos desta realidade, Alexandre responde: “a nós antropólogos não interessa a ‘verdade’ sobre os fatos e sim a versão que aquele fato teve.”
Arquivos particulares são aqueles que não têm documentos oficiais e são documentos que estavam em posse de indivíduos. “Além dos jornais diários, eu tinha coleções de jornais semanais, mensais, que em geral não estavam mais sendo editados, como o Resistência (local) e o Movimento (nacional)”, ressalta o antropólogo. As fontes foram tratadas como os arqueológos tratam os fósseis. Depois de dois cursos de formação ministrados pelo professor, um sobre tratamento e preservação de documentos e outro sobre classificação de fontes impressas, os documentos sofreram cuidadosa recuperação, toda baseada nos métodos da museologia.
Metade do acervo (cerca de sete mil documentos) já está organizada eletronicamente no projeto: é o banco de dados. Ele está em fase de testes e em janeiro estará disponível para a consulta, que poderá ser feita pela internet. “Esse tipo de publicação permite uma alta produtividade de pesquisa, porque é só transferir e analisar, cruzando as informações eletronicamente”, afirma Alexandre.
Para a forma tradicional de acesso, foram produzidos catálogos com as especificaçoes das fontes, inclusive sobre as temáticas, para facilitar as análises dos pesquisadores. Quando perguntado sobre a importância da abertura dos arquivos oficiais da ditadura, o antropólogo responde: “ainda estamos construindo a nossa democracia e ela não vai se consolidar enquanto isso não for passado a limpo. A queima da documentação oficial também ocorreu na época da escravidão. Isso já se tornou uma repetição. Estamos em um país infeliz que destrói sua própria memória. Nesse caso, é muito mais importante, pois é o próprio Estado queimando seus documentos, tentando retirar a ´mancha’ da história”.
Foram escritos três trabalhos de conclusão de curso e duas dissertações de mestrado respaldadas pelo acervo do projeto, enfocando temáticas como carnaval, identidade, educação, resistência a ditadura etc. Essa é uma prova do potencial envolvido nesse resgate da memória. Maiores informações sobre o acervo e como acessá-lo no telefone: 3183-1406 ou pelo e-mail: cunha@ufpa.br.
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