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Conferência da SBPC discute a relação entre o Saber Científico e o Tradicional

Nas sociedades ocidentais, o conhecimento tradicional e o científico costumam ser vistos como opostos, não sendo permitida a coexistência. Essa falsa idéia, que desvaloriza a tradição em prol da ciência, foi o tema da discussão proposta por Maria Manuela Carneiro Cunha, professora da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, na conferência “Relações e Dissensões de Saberes Tradicionais e Saberes Científicos”, na 59ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

 Para a pesquisadora, um dos motores para essa idéia de oposição parte da pouca tolerância do saber científico, que conserva o modelo medieval de se criar um saber absoluto. Os saberes tradicionais (como o plural aqui indica) normalmente permitem “mais de uma verdade”. Maria Manuela afirma ainda que a exclusão de outros modelos quando se adota a visão científica cria incompatibilidades, mas não impedem uma coexistência. Quer dizer, um professor, por exemplo, pode ensinar física quântica de manhã e newtoniana à tarde e ainda ir à Igreja de noite. Ele “como cidadão, pode acreditar em Deus e simultaneamente em vários sistemas. A Física não permite isso, mas o físico sim”, teoriza.

 A professora questionou se é possível haver semelhanças entre os dois saberes. A resposta veio a seguir: sim. Segunda ela, ambas são formas de procurar entender e agir diante do mundo. Além disso, ambas são obras inacabadas, abertas a possíveis alterações. Essas semelhanças é que os tornam comparáveis, mas não iguais.

 Ambos os conhecimentos são sustentados por operações lógicas, mas partem de pontos de vista divergentes. O conhecimento científico parte de unidades conceituais, já o conhecimento tradicional nasce de unidades perceptuais, como sabores, cheiros e cores. “As mesmas operações lógicas aplicadas a premissas diferentes dão resultados diferentes”, conclui Maria Manuela.

 A sugestão da professora é que o conhecimento científico se utilize dos saberes tradicionais como base, para perceber e antecipar suas pesquisas. Tomando cuidado, porém, para não ignorar sua potencialidade. Normalmente o conhecimento popular e visto como um “tesouro”, herdado dos antigos e que deve ser preservado intocado. Por isso também os cientistas não o reconhecem como um saber válido. E por ser desvalorizado, a ciência (principalmente farmacêutica e agrônoma) se apropria do saber tradicional sem se preocupar em ter o consentimento prévio da população que o detém.

 Segundo a professora, a posição brasileira, acertada entre diversos países na Convenção da Diversidade Biológica, quanto ao assunto é que caberia ao pesquisador que faz o pedido de patente relatar toda a cadeia de informações, inibindo, assim, a biopirataria e o roubo do conhecimento tradicional. Processo este que cria novas discussões, pois exigem burocracias que atrasam muito os resultados da pesquisa.

 Mesmo com tantas divergências, Maria Manuela mostra-se otimista quanto à possibilidade de um modelo de coexistência “pacífica” entre os saberes científico e tradicionais. Além disso, para ela, “a Amazônia podia e devia dar o exemplo dessa colaboração científica entre populações tradicionais e ciência que é feita nas universidades, de uma forma inovadora”.


Texto: Íris Jatene (Assessoria de Comunicação Institucional)

Publicado em: 11.07.2007 06:04